segunda-feira, 24 de agosto de 2009

EUCLYDES DA CUNHA

CP MEMÓRIA
EUCLYDES DA CUNHA




HÁ UM SÉCULO NO CORREIO DO POVO


Pesquisa e edição: dirceu chirivino


chirivino@correiodopovo.com.br


No dia 23 de agosto de 1909 não houve edição do Correio do Povo. Na época, o jornal não circulava às segundas-feiras.


Conforme verão os leitores, o nosso serviço telegraphico de hoje, anuncia que foi assassinado, ante-hontem, ás 10 horas da manhã, em uma casa da estrada real da Santa Cruz, no Rio de Janeiro, o notável scientista, litterato e poeta brazileiro Euclydes Rodrigues da Cunha, membro da Academia de Lettras.


Nesta cidade, a noticia de sua morte produziu extraordinaria sensação, principalmente nas rodas militares, onde o assassinado contava grande numero de amizades e de admiradores, sendo tambem parente do general Manoel Joaquim Godolphim, inspector desta região permanente.


IILUSTRADO E RECONHECIDO


Euclydes da Cunha nasceu em S. Paulo, em 1866, tendo feito nessa capital os seus primeiros estudos. Sentou praça no dia 26 de fevereiro de 1886, matriculando-se na Escola Militar do Rio de Janeiro.


Comquanto, em varios cursos, não obtivesse approvações plenas, foi sempre estudante distinctissimo e respeitado, quer pelo seu talento, quer pela sua já reconhecida illustração.


Mesmo como alumno da Escola Militar, Euclydes da Cunha era tido e considerado como um mestre em geographia, philosophia, mathematicas, etc.


Em novembro de 1889, pelo general Deodoro da Fonseca, foi elle nomeado alferes-alumno; confirmado no posto de 2º tenente em abril de 1890 e promovido a 1º tenente do estado maior da 1ª classe em 1892. 1896, OS SERTÕESDepois de tirar o curso de engenharia, pelo regulamento de 1887, Euclydes da Cunha pediu demissão do serviço do exercito, em julho de 1896.


De volta ao Rio de Janeiro, publicou o seu primeiro e magistral livro Os sertões, onde, com extraordinario brilhantismo de estylo e de observação, fez a psychologia dessa luta que tantas vidas preciosas arrancou ao exercito brazileiro.


POLEMICAS COM LENTES


Euclydes da Cunha, que apenas contava 41 annos de idade, era de compleição nervosa, de caracter independente e altivo. Revoltava-se contra tudo o que não fosse justo e digno, a ponto de, muitas vezes, em aula ou em exame, levantar polemicas com os lentes que não seguiam as suas theorias, especialmente em materia philosophica. Dahi, o facto de não conseguir as melhores approvações, tornando a sua carreira militar incerta e accindentada.


CARACTER INDEPENDENTE


Para dar uma prova do seu caracter independente, basta citar o seguinte facto: Em meados de 1888, por occasião de uma revista militar, em dia de sol ardente, estava elle na fileira aguardando a chegada do ministro da guerra, que era, então, o visconde de Maracajú. Este, por qualquer motivo, demorára mais duas horas do que aquella que estava marcada para a revista. O então alumno Euclydes da Cunha, junto aos seus collegas de fileira, protestou logo contra a demora, que assim abusava do exercito, sendo o primeiro a dar o exemplo de indisciplina. 'Não há motivo – dizia – que justifique semelhante procedimento!' Afinal, chegou o visconde de Maracajá, de carro, em companhia do conselheiro Silveira Martins. Na occasião em que os alumnos, em marcha, passavam em frente ao carro do ministro, Euclydes da Cunha atirou-lhe a espingarda e a bayoneta que trazia. Incapaz para o serviço do exercito Os seus companheiros, conhecendo a gravidade daquele acto de indisciplina, trataram, immediatamente, de desviar a questão para outro lado, dizendo que Euclydes da Cunha tinha sido atacado de uma crise nervosa. Por esse motivo, foi elle submettido a inspecção de saude, e considerado incapaz do serviço do exercito. Assim é que esteve fóra do serviço militar desde 14 de dezembro de 1888 até 19 de novembro de 1889, época em que, devido ao seu talento e á sua elevada illustração, foi, como dissemos, pelo general Deodoro da Fonseca, readmittido no exército, do qual saiu sete annos depois.

1896, OS SERTÕES

Depois de tirar o curso de engenharia, pelo regulamento de 1887, Euclydes da Cunha pediu demissão do serviço do exercito, em julho de 1896. De volta ao Rio de Janeiro, publicou o seu primeiro e magistral livro Os sertões, onde, com extraordinario brilhantismo de estylo e de observação, fez a psychologia dessa luta que tantas vidas preciosas arrancou ao exercito brazileiro.


COM OS SERTÕES VEIO A CELEBRIDADE


A celebridade de Euclydes da Cunha começou, por assim dizer, com a publicação do seu livro – Os sertões, obra litteraria de inestimavel valor, quer como belleza de fórma, quer como trabalho de observação e de estudo. Tinha elle a principal qualidade do homem de lettras: sabia ver e descrever. Uma scena descripta por Euclydes da Cunha não admittia uma palavra, uma virgula a mais. Era impeccavel. No romance e na poesia, sentia como verdadeiro artista, mas observava como homem de sciencia, como philosopho, e como historiador. Nesse sentido, Os sertões nada deixa a desejar.


Ahi vê-se com que sentimento descreve os differentes aspectos da natureza, commovendo-se até ás lagrimas, pelas dôres humanas. Leiam esse livro e vejam com que estylo, com que palavras, nos pinta o notavel escriptor as sêcas do norte do Brazil. Vejam tambem como elle encara a maldade dos homens na cruenta campanha de Canudos.


ACADEMIA DE LETTRAS


Foi esse livro brilhante e perfeito que abriu as portas da Academia de Lettras a Euclydes da Cunha. Além d’Os sertões, Euclydes da Cunha publicou mais os seguintes livros: Peru versus Bolivia; Contrastes e confrontos e Á margem da historia. Deixou também muitos artigos e trabalhos poeticos dispersos.


VIDA FAMILIAR


Euclydes da Cunha era casado com d. Anna Solon da Cunha, filha do general rio-grandense Frederico Solon de Sampaio Ribeiro, já extincto. Deixa quatro filhos menores bem amparados, pois ha pouco tempo, o assassinado herdára do seu pae, que era fazendeiro em S. Paulo, uma grande fortuna.


Fonte :Correio do Povo, 17 de agosto de 1909

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