quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Contra o tabagismo


  Cada um deve ter o direito de se matar do jeito que bem entender. Afinal, vivemos em democracias liberais. Mas não pode tentar levar junto seus colegas, amigos, amores ou simples conhecidos. O mundo anda cada vez mais bizarro. O leitor Renato Sant''Anna me chamou a atenção para o processo no Tribunal do Banco Mundial, movido pela Philip Morris, contra as políticas antitabagismo do Uruguai. A poderosa empresa americana de cigarros acha-se prejudicada nos seus ganhos pelas decisões das autoridades uruguaias. Consta que, em três anos, 115 mil hermanos deixaram de fumar. A Philip Morris não pode aceitar que tantas vítimas escapem assim das suas presas. O Uruguai é pequeno. Mais fácil, quem sabe, de pressionar. Por que a Philip Morris não processa as cidades americanas que estão proibindo fumar em praças?

   Uma das melhores coisas dos últimos anos é o cerco aos fumantes. Os "realistas" diziam que nada mudaria. Riam da ingenuidade dos críticos do tabagismo. Citavam as verbas publicitárias como prova de que a indústria do cigarro ganharia qualquer batalha. Erraram tudo. O Uruguai é que deveria processar a Philip Morris pelos estragos causados ao longo do tempo à população do país. A fúria da empresa é maior na medida em que os uruguaios acabaram com certas propagandas enganosas, como essa história de baixos teores, light, suave e ultralight. Os americanos, quase sempre fundamentalistas em tudo, caminham para a proibição do cigarro. É um erro. Vai gerar tráfico, violência e tudo o que vem com a interdição. Mas o cerco deve continuar e ser impiedoso.
  
   Tenho amigos que fumam. Gosto deles. Quero que tenham vida longa. Espero que encontrem coragem para abandonar esse vício idiota. A Taline Oppitz já largou. O Márcio Beher também. Eu tentei fumar quando era jovem. Era fumaça para todo lado. E nenhum barato. Larguei. Adotei um princípio: nada que cause dependência é legal. Isso não tem a ver com moralismo. É puro desejo de conservar a máquina em dia mais tempo. Até água em excesso faz mal. Comprei a enciclopédia Universalis de um amigo fumante há 15 anos. Tem cheiro de cigarro até hoje. Não dá para abrir. Nada mais patético do que ver grupinhos de pessoas no frio ou praticamente na chuva, embaixo de abas de concreto, só para fumar. Saudades dos tempos panfletários: viva o Uruguai! Abaixo a Philip Morris! Precisamos planejar o futuro daqueles que hoje vivem do fumo no Rio Grande do Sul. É preciso encontrar logo culturas de substituição. O fumo vai virar fumaça.

   Apesar dos impostos pesados, o cigarro ainda é muito barato. A Philip Morris ajuda a produzir doentes que vão parar em hospitais públicos. O Uruguai deve reclamar indenização pelos doentes que já cuidou e pelos que continua cuidando. E dizer que um dia foi possível dar aula fumando, apresentar telejornal fumando, entrar em igreja fumando. E dizer que havia quem acreditasse só ser capaz de ter boas ideias fumando, ou seja, praticando uma má ideia. Todo mundo pode deixar de fumar. É só querer.

Juremir Machado da Silva
juremir@correiodopovo.com.br












domingo, 6 de fevereiro de 2011

Irmandade Muçulmana pode substituir Mubarak


                                      POR: JURANDIR SOARES



   O presidente do Egito, Hosni Mubarak, trocou todo o seu governo na esperança de se manter no poder. Não adiantou. Os protestos contra ele continuaram. O que é natural. O povo quer é a mudança do governante, desgastado por 30 anos no cargo. A oposição quer seguir o exemplo da vizinha Tunísia, onde as manifestações populares derrubaram, a 14 de janeiro, o ditador Zine El Abidine Ben Ali. Fala-se que, se Mubarak cair, quem poderia assumir é o Prêmio Nobel da Paz de 2005 e ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica, Mohamed ElBaradei. Ele inclusive foi para o Egito na quinta-feira da semana passada, somando-se aos protestos contra Mubarak. ElBaradei, no entanto, tem pouca identificação com o seu país. Viveu o último quarto de século na Áustria, dedicando a maior parte desse tempo à Aiea, a agência nuclear da Organização das Nações Unidas. Não sedimentou vínculos políticos em seu país, faltando-lhe, portanto, capacidade de aglutinação para conciliar as partes em disputa.

   Outro nome que surge como alternativa, e este com maior força, é o vice-presidente Omar Suleiman. É preciso ressaltar que ele resultou vice na reforma de governo que Mubarak fez na semana passada, porque, até então, ninguém ocupava o cargo. Diferentemente de ElBaradei, Suleiman tem uma ampla atividade política no Egito. Durante muito tempo ele foi o responsável pela política de segurança do país árabe, o que lhe permitiu um amplo relacionamento não só interno, mas também externo. É o homem apontado pelos Estados Unidos para fazer a transição. Aliás, os norte-americanos, que sempre deram apoio a Mubarak, sentiram que não há mais como sustentá-lo. E já indicaram que defendem um governo de transição com Suleiman à frente.

   No entanto, os EUA se dizem defensores da democracia e dos preceitos de liberdade de imprensa e liberdade de ir e de vir. Não era o que Mubarak praticava e, seguramente, não será o que Suleiman ou ElBaradei irão praticar se, simplesmente, um deles for colocado no poder sem a realização de eleição. Aliás, o que se espera é eleição com voto universal, mas sob supervisão internacional. E não eleições controladas, como Mubarak fazia. O problema para os EUA e seus aliados europeus é que, se for realizada eleição no Egito, quem deve vencer facilmente, segundo as previsões, é a Irmandade Muçulmana, maior movimento de oposição. Movimento este que está estruturado não só no Egito, mas em todos os países da região onde há agitação. E aí é que está o problema.

    Estes islâmicos do movimento estão muito mais para o Irã de Ahmadinejd do que para os EUA de Obama. E aí fica o dilema para Washington: como defender a democracia, se esta irá levar ao poder o inimigo. É o preço de não ter avaliado corretamente a durabilidade da autocracia aliada de Mubarak e de tantos outros no mundo árabe, que estão correndo o mesmo perigo.

   Assim é que o problema não é só do Egito, mas de toda a região. Inclusive de Israel. Vale lembrar que o Egito liderou as quatro guerras que o mundo árabe travou contra Israel, desde a fundação do estado judaico em 1948. E, ao assinar o acordo de paz com o Egito, em 1979, Israel trouxe para o seu lado o seu principal inimigo. Assim, o medo, não só de Israel, mas também das monarquias do Golfo Pérsico, é de que no Egito venha a se repetir o que aconteceu no Irã em 1979, ou seja, a Revolução Islâmica que derrubou o xá Mohamed Reza Pahlevi, aliado do Ocidente, e colocou no poder o aiatolá Ruhollah Khomeiny. Uma revolução que provocou uma reviravolta no jogo geopolítico da região.

    O pior para o Ocidente é que no Egito a ascensão dos fundamentalistas islâmicos pode se dar, não por uma revolução, mas pela força do voto. Na Argélia, em 1993, a Irmandade Muçulmana venceu a eleição, mas não levou. Foi impedida de assumir pela força das armas. Assim, não é sem razão que este é mais um dos países do Magreb que enfrenta protestos antigovernamentais.

   Voltando ao Egito, a grande incógnita que se estabelece é com relação ao Exército. A Polícia, se sabe, se vestiu à paisana e foi para as ruas, como se fosse adepta de Mubarak, para enfrentar os opositores, que protestavam pacificamente. O Exército procurou se manter neutro, travando cordial relação com a população, que até flores lhe ofereceu. E foi interessante o chamamento feito pelo porta-voz do Exército aos "netos dos faraós" e aos "construtores das pirâmides", convocando-os ao entendimento. Usou de artimanha para tocar fundo no sentimento da população. No entanto, o Exército marcha cada vez mais para uma encruzilhada: dar sustentação ao presidente, que só quer sair em setembro com nova eleição, ou apoiar os sentimentos populares e destituir Mubarak.
   As pressões internacionais podem evitar esse racha no Exército egípcio, que seria catastrófico. Isto num país que, segundo o embaixador brasileiro no Cairo, Cesário Melantonio Melo, está reduzido a um Estado onde inexiste o direito.


FONTE: Jornal  Correio do Povo -  ANO 116 Nº 129 - PORTO ALEGRE, DOMINGO, 6 DE FEVEREIRO DE 2011








Valores morais em inversão



A sociedade brasileira tem sido brindada com algumas pérolas perigosas que denotam o grau de decomposição de valores morais e éticos, principalmente daquelas diretrizes que deveriam ser de berço. Há uma coletânea de casos chocantes, como os dos rapazes presos após espancar um morador de rua em São Paulo. Para eles, essa ação era permitida porque se tratava de um mendigo e tudo não teria passado de "uma brincadeira".

Esse argumento foi semelhante ao empregado pelos jovens que, há muitos anos, atearam fogo em um índio pataxó que estava dormindo na rua em Brasília. Todos eram de classe média alta, bem-nascidos e com poder aquisitivo. Outros episódios de violência gratuita foram o da agressão de vários jovens a uma doméstica no Rio de Janeiro porque pensaram que ela era uma prostituta e o do ataque homofóbico de um grupo de rapazes a estudantes na avenida Paulista, em São Paulo, só porque supuseram que se tratava de homossexuais. Sem nenhum pudor, tentaram desmentir os fatos gravados por uma câmera.

É preciso repensar os valores que estão sendo passados para nossas crianças e adolescentes. A par da proteção devida, é necessário incutir neles o respeito pelas diferenças e pelo modo de vida de cada um. Além disso, faz-se urgente retomar o papel de uma escola formadora de bons cidadãos, mas tendo claro que esse papel é subsidiário ao dos pais e responsáveis, que não podem delegar tarefas que lhes são próprias.

Diante de acontecimentos nada edificantes, em que jovens são os protagonistas, de pouco vale atitude meramente protecionista. Cobrar responsabilidades e aplicar as punições devidas é parte de um processo pedagógico que servirá para mostrar ao infrator que sua conduta está inadequada. Além disso, mostrar-se-á eficiente para que as vítimas não se sintam desprotegidas.
FONTE:Jornal Correio do Povo - Opinião - ANO 116 Nº 129 - PORTO ALEGRE, DOMINGO, 6 DE FEVEREIRO DE 2011.