A página nº 05 do espaço “Curtas do Leitor” da edição do Diário Popular de 15 de janeiro de 2010 estampa o contraste de pensamentos entre Michele Soares e Patrícia Soares nos textos de suas autorias, intitulados, respectivamente, pela editoria de “Animais I” e “Animais II.
Enquanto a primeira mensageira relata sua vergonha quanto à falta de políticas públicas de atendimento aos animais abandonados, quando fala que buscou o Centro de Zoonoses de Pelotas para atendimento a uma “cadela abandonada e doente” que surgiu na frente da sua casa, a segunda mensageira demonstra indignação porque “não tem um dia que não encontre uma defensora de animais no jornal” e diz que “a cidade tem coisas mais importantes pra resolver do que se preocupar com vira-latas”, aduzindo que há hipocrisia da parte das pessoas que não ajudam as crianças famintas e, no entanto, “preferem ajudar um bicho”. Acrescenta, por fim, que não é religiosa mas, se fosse, “Deus estaria envergonhado”.
Concordo com a Patrícia Soares apenas neste aspecto: Deus pode estar envergonhado, sim, em ver que toda a sua criação, biblicamente descrita em seis dias de trabalho criativo, ficou sob o poder dos animais humanos que, arrogantemente, se autoconcederam o título de “Homo sapiens” e, com base, nesse racionalismo, desconsideram os outros elementos da natureza, dentre eles, os cães e gatos que pululam no desalento das urbes, além de serem, sim, os ditos HUMANOS os únicos viventes que degradam a perfeita obra divina.
Deus pode estar envergonhado, sim, pelas suas criaturas racionais e bípedes que praticam desumanidades contra os outros seres que também como elas sofrem sede, fome, solidão e que podem ser cavalos, cães, gatos, bois, ovelhas e todos os demais que se incluem no rico e variado elenco simbolicamente preservado na arca de Noé, por ocasião do grande dilúvio.
Quem não é religioso, pode entender os seis dias da criação bíblica como uma alegoria das seis eras geológicas, e, de uma forma ou de outra, poderá questionar por que os animais humanos devem se sobrepor aos demais animais ditos “irracionais”, se todos habitam o mesmo espaço terrestre numa relação de interdependência que, se não havida, desencadeia os chamados “desequilíbrios ecológicos”.
Quem não é religioso mas se enxerga como habitante consciente do espaço urbano ou rural onde está inserido não é obrigado a amar cães e gatos abandonados mas deve entender que é questão de saúde pública se evitar zoonoses por meio de ações éticas e profissionais como esterilização realizada por médicos veterinários.
Quando seu coração evoluir, aprenderá, também, que os animais não humanos são, sim, nossos irmãos. Nesse dia, uma parte de sua alma acordará de um longo sono e, certamente, essa pessoa passará a ser menos amarga, menos egoísta e menos rancorosa com o mundo que a cerca pois aprenderá lições de desprendimento material com quem não precisa de sapatos e de roupas para viver a plenitude dos sentidos, nem de palavras para expressar sua felicidade.
Parabéns, Michele Soares, pela sensibilidade em respeitar os demais seres deste planeta Terra, os quais jamais praticam a hipocrisia e a perfídia próprias dos seres humanos. Continue a proteger os animais abandonados e pergunte aos incomodados o que fazem pelas “pobres crianças” pois conheço muitas pessoas generosas que adotam bebês humanos e não humanos, ou seja, um gesto de caridade não exclui o outro.
E já que se falou em Pelotas, é de bom alvitre se lembrar que o genial escritor João Simões Lopes Neto foi fundador e primeiro presidente da Sociedade Protetora dos Animais e não creio que tenha sido um hipócrita mas, ao contrário, um homem talentoso, lúcido e bom.
Por fim, deixo para reflexão um pensamento de Albert Schweitzer, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1952:
"Não me importa saber se um animal é capaz de pensar, sei que é capaz de sofrer e por isso o considero o meu próximo."
* Advogado, poeta, radialista, vereador e lider da bancada do P.S.B.(Partido Socialista Brasileiro) de Piratini.
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