Hoje em dia, agenda de criança anda pior que a de psiquiatra; corpo e mente infantis, contudo, não saem incólumes quando têm de enfrentar as pressões da vida adulta em casa e na escola
POR LUCIANO GRÜDTNER BURATTO
DA EQUIPE DE TRAINEES
Uma aranha começa a andar sobre uma mesa em direção às mãos de duas crianças, sendo que uma delas sofre de estresse crônico. Como elas reagem?
Ambas, provavelmente, vão tirar as mãos da mesa. Mas o organismo da criança estressada sofrerá mais com a experiência.
Assustar-se com um animal perigoso é uma reação normal de estresse, mecanismo natural e necessário para a sobrevivência do indivíduo. Reações de fuga e luta, por exemplo, dependem da
liberação de adrenalina, hormônio presente na resposta ao estresse.
A criança estressada da experiência com a aranha liberou maior quantidade de hormônio do que a criança normal ou era mais sensível a seus efeitos.
Os organismos de adultos e crianças reagem a situações estressantes _bronca da professora ou do chefe, doença infecciosa etc._ de maneira semelhante.
Esses estímulos causam uma série de alterações no organismo independentemente da natureza do agente estressor, diz o professor titular de clínica médica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Antônio Carlos Lopes. Mas a intensidade da reação depende do tipo de estímulo.
A resposta a agentes estressores também depende da constituição do indivíduo, que inclui tanto sua carga genética quanto sua história afetiva. "Para que o estímulo seja considerado estressor pelo organismo, é preciso que este esteja predisposto a reconhecê-lo como tal", afirma o médico.
"O estresse não mata. O que mata são suas manifestações clínicas, resultando em alterações hormonais e humorais (dos fluidos, como o sangue) decorrentes da ação do estímulo estressor durante longos períodos de tempo."
Quando exposto a um estímulo estressante, o organismo responde de maneira estereotipada. A glândula supra-renal (sobre os rins) libera os hormônios adrenalina, cortisol e aldosterona; o pâncreas, glucagon e insulina; a hipófise anterior (glândula do cérebro), hormônio do crescimento e ACTH (corticotropina) etc.
Vilões
Os dois grandes vilões são o cortisol e a adrenalina, pois são eles os responsáveis, a longo prazo, pelas alterações que podem levar à úlcera estomacal ou ao infarto do miocárdio.
A primeira parte da reação de estresse chama-se fase de alarme. É quando os hormônios são liberados em grandes quantidades. Se o estímulo estressor desaparecer, o organismo volta ao seu funcionamento normal.
Caso o estímulo se prolongue (exigência constante dos pais, por exemplo), ou o organismo entra na fase de exaustão e morre ou se adapta. Na fase de adaptação, tudo volta mais ou menos ao
normal, e o organismo torna-se mais resistente.
Mas a fase de adaptação não é eterna. Se o estímulo persistir por muito tempo, o indivíduo pode entrar novamente na fase de alarme. As altas concentrações dos hormônios liberados nessa fase podem levar à arritmia cardíaca grave ou à formação de úlcera.
No estresse crônico (por longo tempo), concentrações elevadas de colesterol (decorrentes de alimentação inadequada), adrenalina e cortisol podem causar lesões no endotélio (parede dos vasos sanguíneos). Caso isso aconteça, o sangue coagulará, obstruindo o vaso (trombose).
Se o trombo (coágulo no vaso) ocorrer no coração, o indivíduo terá um infarto; se for no cérebro, um derrame. Esse quadro é menos provável em crianças devido à flexibilidade de sua rede de
vasos sanguíneos.
Alterações mentais também podem estar relacionados ao estresse. "Se o estado de estresse se prolonga, podem se desenvolver estados crônicos de ansiedade ou depressão", afirma Francisco
Assumpção Júnior, chefe do setor de psiquiatria infantil do Hospital da Clínicas, em São Paulo (HC-SP).
Adrenalina versus cortisol
Do ponto de vista do organismo como um todo, a adrenalina traz consequências piores que o cortisol. "É ela que faz o coração bater mais rápido e a pressão subir. A manifestação clínica do
cortisol, a curto prazo, é pequena", diz Lopes, da Unifesp.
Para diminuir os efeitos de uma sobrecarga de adrenalina, são receitados beta-bloqueadores (fármacos, como o propanolol, que bloqueiam os receptores celulares de hormônios).
"O beta-bloqueador não age nos sintomas do estresse propriamente ditos, mas nos sintomas da ansiedade decorrentes do estresse. Ele pode ser usado, por curto tempo e somente em alguns casos, em crianças com tremores que não conseguem escrever na lousa, por exemplo. Mas isso não resolve o problema da ansiedade", diz Alexandrina Meleiro, professora do Instituto de Psiquiatria do HC-SP.
Para ela, um desequilíbrio nos níveis de cortisol tende a ser mais perigoso que nos de adrenalina. "A adrenalina causa problemas no coração. Mas, quando se mexe no cortisol, muitos hormônios do corpo serão afetados: sejam os sexuais, sejam os que vão agir na produção de suco gástrico (no estômago)", diz Meleiro.
O cortisol também age no timo (glândula do sistema linfático que diminui de tamanho após a puberdade), o que pode afetar o sistema imunológico, pois diminui a produção de linfócitos T e B
(células de defesa).
"A criança fica mais sujeita a infecções, e a que já está doente pode piorar."
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