domingo, 6 de fevereiro de 2011

Irmandade Muçulmana pode substituir Mubarak


                                      POR: JURANDIR SOARES



   O presidente do Egito, Hosni Mubarak, trocou todo o seu governo na esperança de se manter no poder. Não adiantou. Os protestos contra ele continuaram. O que é natural. O povo quer é a mudança do governante, desgastado por 30 anos no cargo. A oposição quer seguir o exemplo da vizinha Tunísia, onde as manifestações populares derrubaram, a 14 de janeiro, o ditador Zine El Abidine Ben Ali. Fala-se que, se Mubarak cair, quem poderia assumir é o Prêmio Nobel da Paz de 2005 e ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica, Mohamed ElBaradei. Ele inclusive foi para o Egito na quinta-feira da semana passada, somando-se aos protestos contra Mubarak. ElBaradei, no entanto, tem pouca identificação com o seu país. Viveu o último quarto de século na Áustria, dedicando a maior parte desse tempo à Aiea, a agência nuclear da Organização das Nações Unidas. Não sedimentou vínculos políticos em seu país, faltando-lhe, portanto, capacidade de aglutinação para conciliar as partes em disputa.

   Outro nome que surge como alternativa, e este com maior força, é o vice-presidente Omar Suleiman. É preciso ressaltar que ele resultou vice na reforma de governo que Mubarak fez na semana passada, porque, até então, ninguém ocupava o cargo. Diferentemente de ElBaradei, Suleiman tem uma ampla atividade política no Egito. Durante muito tempo ele foi o responsável pela política de segurança do país árabe, o que lhe permitiu um amplo relacionamento não só interno, mas também externo. É o homem apontado pelos Estados Unidos para fazer a transição. Aliás, os norte-americanos, que sempre deram apoio a Mubarak, sentiram que não há mais como sustentá-lo. E já indicaram que defendem um governo de transição com Suleiman à frente.

   No entanto, os EUA se dizem defensores da democracia e dos preceitos de liberdade de imprensa e liberdade de ir e de vir. Não era o que Mubarak praticava e, seguramente, não será o que Suleiman ou ElBaradei irão praticar se, simplesmente, um deles for colocado no poder sem a realização de eleição. Aliás, o que se espera é eleição com voto universal, mas sob supervisão internacional. E não eleições controladas, como Mubarak fazia. O problema para os EUA e seus aliados europeus é que, se for realizada eleição no Egito, quem deve vencer facilmente, segundo as previsões, é a Irmandade Muçulmana, maior movimento de oposição. Movimento este que está estruturado não só no Egito, mas em todos os países da região onde há agitação. E aí é que está o problema.

    Estes islâmicos do movimento estão muito mais para o Irã de Ahmadinejd do que para os EUA de Obama. E aí fica o dilema para Washington: como defender a democracia, se esta irá levar ao poder o inimigo. É o preço de não ter avaliado corretamente a durabilidade da autocracia aliada de Mubarak e de tantos outros no mundo árabe, que estão correndo o mesmo perigo.

   Assim é que o problema não é só do Egito, mas de toda a região. Inclusive de Israel. Vale lembrar que o Egito liderou as quatro guerras que o mundo árabe travou contra Israel, desde a fundação do estado judaico em 1948. E, ao assinar o acordo de paz com o Egito, em 1979, Israel trouxe para o seu lado o seu principal inimigo. Assim, o medo, não só de Israel, mas também das monarquias do Golfo Pérsico, é de que no Egito venha a se repetir o que aconteceu no Irã em 1979, ou seja, a Revolução Islâmica que derrubou o xá Mohamed Reza Pahlevi, aliado do Ocidente, e colocou no poder o aiatolá Ruhollah Khomeiny. Uma revolução que provocou uma reviravolta no jogo geopolítico da região.

    O pior para o Ocidente é que no Egito a ascensão dos fundamentalistas islâmicos pode se dar, não por uma revolução, mas pela força do voto. Na Argélia, em 1993, a Irmandade Muçulmana venceu a eleição, mas não levou. Foi impedida de assumir pela força das armas. Assim, não é sem razão que este é mais um dos países do Magreb que enfrenta protestos antigovernamentais.

   Voltando ao Egito, a grande incógnita que se estabelece é com relação ao Exército. A Polícia, se sabe, se vestiu à paisana e foi para as ruas, como se fosse adepta de Mubarak, para enfrentar os opositores, que protestavam pacificamente. O Exército procurou se manter neutro, travando cordial relação com a população, que até flores lhe ofereceu. E foi interessante o chamamento feito pelo porta-voz do Exército aos "netos dos faraós" e aos "construtores das pirâmides", convocando-os ao entendimento. Usou de artimanha para tocar fundo no sentimento da população. No entanto, o Exército marcha cada vez mais para uma encruzilhada: dar sustentação ao presidente, que só quer sair em setembro com nova eleição, ou apoiar os sentimentos populares e destituir Mubarak.
   As pressões internacionais podem evitar esse racha no Exército egípcio, que seria catastrófico. Isto num país que, segundo o embaixador brasileiro no Cairo, Cesário Melantonio Melo, está reduzido a um Estado onde inexiste o direito.


FONTE: Jornal  Correio do Povo -  ANO 116 Nº 129 - PORTO ALEGRE, DOMINGO, 6 DE FEVEREIRO DE 2011








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