Qual é o problema da leitura? O esforço de concentração que ela exige. A entrega. Podemos interpretar a questão da leitura à luz da questão graça de Pascal: haveria aqueles a quem faltou a graça divina da leitura e aqueles que recusaram a graça da leitura. Em termos categóricos, aqueles a quem Deus concedeu a graça da leitura e aqueles que não foram tocados por ela. Todo ato humano seria vão. Ou se nasceria com o dom para a leitura. Ou se estaria condenado a viver sem ler. Os apóstolos da leitura, contudo, querem transmitir a fé, o gosto, a graça da leitura. Como fazer? Como convencer alguém a ler? Com uma recompensa. Uma vida de felicidade.
A aposta de Pascal: ler ou não ler. Só existem duas possibilidades: ou se lê ou não se lê. Ou se crê ou não se crê. Alguns apostam na sabedoria como recompensa para quem lê. É o argumento utilitário. Outros, no prazer. É o argumento hedonista. O que está em jogo nisso? A vida de cada um. A ideia de jogo é sedutora. Se leio um livro e posso ganhar três satisfações, isso me mobiliza. Se posso ganhar mais ainda, certamente vou pensar em ler mais. Se posso ganhar tudo e nada perder, por que não apostaria? Se leio, ganho uma vida terrena de fidelidade, respeito, honestidade, humildade, amizade, caridade, saber, etc. Além disso, se a leitura é superior, levo a recompensa da eterna fruição, uma solidão povoada. Um plus considerável. Se não leio, não ganho a satisfação eterna do grande momento vivido e ainda perco as informações.
Em qualquer caso, ganha-se ao ler. As chances de ganhar são de 50%. Se descubro o prazer da leitura, sou mais feliz e mais sábio. Se descubro a utilidade da leitura, sou mais sábio e mais feliz. Ao contrário, se o indivíduo não faz essa aposta na leitura, a sua vida pode ser vazia e sem ilusões. A perda será imediata e a possibilidade de ganho não existirá. Como se vê, pode-se chegar à leitura por múltiplos caminhos, inclusive pelo cálculo das probabilidades ou pelo pragmatismo lógico. Pascal, no entanto, trilhou outros caminhos. Teve o seu momento de revelação. Encontrou Deus. A leitura também aparece para muitos como revelação: uma verdade iluminadora total. O que fazer com os que não creem?
E não leem? Pregar, pregar, pregar... Quem sabe um dia eles se convertem? Ler não é uma questão de suporte. Ler é o suporte. Não o livro. Mas o gosto pela leitura, assim como a fé, permanecerá um mistério. Alguns chegam a ele pela conversão, pelo argumento da utilidade ou pela pregação. Outros, chegam pela graça do Grande Leitor ou Grande Autor. Outros, infelizmente, nunca descobrem o livro. O principal inimigo da leitura é a imagem. Os adoradores de imagens recusam o livro. Querem figurinhas. Não precisamos, contudo, tratá-los como heréticos. Nem expulsá-los para o ciberespaço. Não sejamos novos iconoclastas. Sejamos tolerantes e ecumênicos. Se fomos capazes de convencer os homens do fundamento da aposta de Pascal em Deus, também seremos capazes de convencê-los do fundamento da aposta na leitura. Afinal, ler é um santo remédio e o caminho que nos salva dos reality-shows.
JUREMIR MACHADO DA SILVA
terça-feira, 25 de maio de 2010
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